Escritor e personagem se inventam em A Ficcionista.
Um escritor em busca de uma história. Uma personagem com várias histórias para serem contadas. O que pode resultar desse encontro? Um livro singular capaz de encantar leitores e escritores, uma obra que desvela os momentos que antecedem a criação, quando a matéria bruta ainda está apta a ser moldada – ou esse momento não passaria de mera ilusão? A Ficcionista, livro recém-lançado de Godofredo de Oliveira Neto, é um olhar por trás da cortina do processo de criação literária, não fosse também, e principalmente, uma encantadora narrativa ficcional. Conheça abaixo A Ficcionista.
A Ficcionista – o livro
Há quem diga que não é o autor que controla o personagem, mas o contrário. Apenas tem-se a ilusão de que quem domina as letras faz de suas criações o que quer, quando na verdade o personagem é que se impôe ao escritor. Essa dualidade criador-criatura perpassa todo o romance A Ficcionista, uma obra que exacerba de maneira primorosa a mecânica e a essência das relações humanas. As histórias contadas pela protagonista Nikki, embora de uma contundência irresistível, por vezes recolhem-se miúdas frente aos ricos embates que tomam a linha de frente da narrativa.
Nikki é a ficcionista em pessoa. Um mulher cheia de histórias que depois de uma intensa vida passada ora entre intelectuais, ora entre drogas, ora entre misticismos, se isola em um posto de gasolina abandonado em uma abandonada estrada do oeste de Santa Catarina. Nikki é a personagem à espera de seu autor, aquele que a eternizará redimindo-a, e a seus delitos, por meio da literatura. Ao ser transformada em personagem, sairia da vala comum para entrar no panteão dos heróis. Pois um dia sua redenção chega. E a pena que lhe inscreverá na História vem nas mãos de um escritor que sofre para levar adiante seu romance, alguém que soube dessa jovem mulher que guarda muitas histórias para contar, tantas que daria um livro.
O escritor compra dez entrevistas com Nikki, que são gravadas para posteriormente serem transcritas e transformadas em livro. Desse encontro entre escritor e personagem surge o primeiro embate do livro. Ele busca alguma massa bruta que possa moldar e dela retirar sua mais perfeita criação. Ela busca alguém que reproduza a personagem que já criou para si mesma, já que seu amplo conhecimento e experiências fizeram-na capaz de recriar-se sem depender de um autor para sua narrativa. Não há verdades em jogo, apenas a história que cada um deles já traz consigo e busca ao outro arregimentar. “Eu disse desde o início, Nikki, que estava te pagando e o romance passa a ser meu, não teu, lembra? Não me comprometi nem com a ordem cronológica das entrevistas, nem com pormenores da sua história. E, certas minudências, se quiser incluir, incluo, se não quiser, não incluo. Esse foi o nosso pacto. Reproduzo o que quero”, diz o autor.
O segundo embate é entre a Nikki-pessoa e a Nikki-personagem. Ela criou para si mesma um universo onde suas ações são um misto de realidade, desejos e imponderabilidades. Ali, ela é a senhora do seu presente e traça as linhas do passado segundo os quereres do futuro. Mas ela mesma titubeia entre acreditar-se a pessoa comum, abandonada por si mesma naquele lugar, e uma espécie de heroína que tomou forma na coletividade de crenças que ajudou a construir. “Não tenho muita coisa a dizer. Família super normal, um irmão enfermeiro que vive nos Estados Unidos desde adolescente, fez lá, inclusive, o Ensino Médio, trabalhando como cozinheiro para pagar os estudos. Pai torneiro mecânico, mas marceneiro de paixão, como já disse outro dia, mãe motorista de táxi em São Paulo”, diz ela em determinado momento. Em outro, fala: “A minha fama de curar as pessoas foi se espalhando. Alguns vêm até aqui com fratura exposta, o osso furando a pele da perna e querendo que eu cure. Não é bem assim, né? Curo, se posso assim dizer, anseios e dores internas, males trazidos pelo stress e pelos percalços da vida”.
O terceiro embate é entre o escritor e seu impulso narrativo. Entre aquele que contempla a história criada por Nikki para si e o que busca criar sua própria história para um livro, onde ele se encontra de fato? Se a história contada por Nikki já é uma recriação da realidade, a dele será o quê? Naquele momento seria ele um mero leitor da história alheia, como somos nós de uma história que ele ainda pretende construir? Ao longo da narrativa ele vai caminhando em uma corda bamba que ora tende para a independência da narrativa em relação aos fatos contados pela sua personagem, ora tende para descomprometimento como o que está sendo narrado. “Eu sou leitor da sua vida, Nikki, lembra disso, não sou o autor dela. Quando transcrevo no computador a sua história e releio tela por tela do laptop, me torno leitor. Você, personagem, estaria matando o leitor. Não te parece estranho?”, diz.
O que vemos ao ler A Ficcionista simula o momento anterior à construção do romance, não fosse esse o próprio romance. Temos a oportunidade de vislumbrar, mesmo que no campo ficcional, esse encontro entre criador e criatura em seu estado mais próximo. A narrativa é puro diálogo. Não há uma história sendo contada nos moldes tradicionais. Godofredo surpreende-nos com um narrativa que representa a gravação das dez entrevistas feitas com Nikki, misturando-se ele também ao seu personagem-escritor. O embate, ou os embates, estão em estado puro, antes da re(criação) pelo autor. De forma ousada e ao mesmo tempo precisa, Godofredo abandona qualquer fórmula ou padrão e nos presenteia com literatura da melhor estirpe.
A Ficcionista
Godofredo de Oliveira Neto
Motor: Ímã Editorial, 2013
116 páginas
ESCREVA HISTÓRIAS INESQUECÍVEIS
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