O olhar afiado para o mercado de Valéria Martins

O olhar afiado para o mercado de Valéria Martins.

Embora ainda menos comum do que lá fora, já há aqui no Brasil escritores que contam com o trabalho especializado de agentes literários para gerenciarem sua carreira. Escolher qual a melhor editora para enviar seu original, negociar com as editoras, participar de eventos literários e até mesmo saber como (e se) bancar a primeira edição do seu livro – esses são dilemas que os escritores, e aspirantes a escritores, costumam enfrentar. Contar com um agente tona esse processo todo mais eficiente, mas essa não é uma realidade possível a todos. Será que é possível ser bem-sucedido na literatura sem ter um agente? Conheça Valéria Martins, agente literária  responsável pela carreira de vários escritores brasileiros, incluindo João Gilberto Noll, Lúcia Bettencourt e Ana Cristina Melo.

O olhar afiado para o mercado de Valéria Martins

Valéria Martins é jornalista, escritora e agente literária. O trabalho nas redações faz parte do passado, mas o de escritora e agente caminham lado a lado. É autora de Mr. Page e os sonhos, Encontros com Deus – 21 personalidades narram sua busca espiritual, Poesia numa hora destas?, Eclipse de lua – Um dossiê sobre a menopausa e A pausa do Tempo. Este último, lançado recentemente, surgiu das crônicas que publica no blog do mesmo nome – com o qual mantém a escrita afiada já que a outra parte do seu tempo é dedicado a orientar e divulgar o trabalho de outros escritores, criando oportunidades para que alcancem visibilidade. Conheçam um pouco mais sobre Valéria Martins e seu olhar afiado para o mercado na entrevista a seguir.

Valéria Martins
Foto: J. Egberto

Você é jornalista com mais de 20 anos de experiência na área e migrou para o mercado editorial. Como foi essa passagem e por quê?

Valéria Martins: Eu sempre gostei de livros, de ler e queria trabalhar com isso. Na verdade, escolhi o jornalismo para continuar escrevendo. Então, após ter meus dois filhos e passar quase 10 anos trabalhando em casa como frila para as revistas da Editora Globo – Marie Claire, Criativa e Crescer – resolvi voltar ao mercado de trabalho e comecei a procurar em editoras. Apareceu uma vaga de ‘gerente de autores’ na Campus/Elsevier e eu fui.

Depois de ter trabalhado em algumas editoras, você abriu sua própria agência literária. Enquanto lá fora é comum o escritor ter um agente, aqui no Brasil ainda não é uma realidade para a grande maioria. O que exatamente faz um agente literário e que diferença ele pode fazer para um escritor?

Valéria Martins: O agente gerencia a carreira do autor e busca editoras para os livros dele. É muito bom ter alguém com um olhar distanciado e com experiência de mercado para orientar a gente, em qualquer área de trabalho.

Há possibilidade de uma carreira bem-sucedida na literatura sem que o escritor tenha um agente?

Valéria Martins: Sim, há. Eduardo Spohr não tem agente, que eu saiba. Alguns escritores optam por não ter agente, mas eu acho que é muito mais rico ter. É ótimo ter alguém com quem debater as alegrias e as tristezas de qualquer profissão.

Valéria Martins na Feira de Frankfurt 2013
Na entrada da Feira de Frankfurt 2013

A sua agência especializou-se também em produção de eventos literários e inclusão de seus agenciados em outros eventos, feiras de livros e afins. As festas literárias têm se proliferado no Brasil, muitas seguindo o modelo de sucesso da FLIP. Na sua opinião, esse cenário acaba por fortalecer a literatura brasileira ou apenas abre mercado para os escritores estrangeiros que vêm participar desses eventos?

Valéria Martins: Eventos literários acontecem no Brasil inteiro, principalmente no interior, há muitos anos. Muito antes da FLIP. Nem todas seguem o modelo da FLIP e a maioria não convida escritores de fora, quando muito, um. Esses eventos servem para colocar o livro em evidência. Graças a FLIP, isso sim, os livros entraram na moda, como se dizia antigamente. Ler se tornou chique. Mas não acredito que os eventos formem leitores. Leitura é hábito. Tem que acostumar a criança desde pequena a ler, e isso se faz lendo junto com ela. Não adianta entregar um livro na mão da criança e mandá-la ler. Ela vai rabiscar, desenhar sobre as figuras, a menos que tenha uma inclinação natural para a leitura, o que é tão raro quanto alguém ter uma inclinação natural para a pintura ou a matemática.

Qual a importância para a carreira de um escritor a participação em eventos literários?

Valéria Martins: Bem, ele se torna conhecido do grande público e vende seus livros, muito mais do que ter o livro simplesmente exposto nas livrarias.

Valéia Martins na mesa dos agentes em Frankfurt
Mesa das agentes: Raquel Bertol, da BN, Lucia Riff, Nicole Witt, Luciana Villas Boas, Valéria Martins e Marianna Teixeira Soares

Você esteve na Feira de Frankfurt esse ano, que teve o Brasil como país homenageado, e participou de uma mesa com outras agentes sobre o desafio de agenciar autores brasileiros depois de Frankfurt. Você acredita que essa homenagem vai representar um maior interesse em nossa literatura ou corre o risco de se tornar um evento isolado sem grandes repercussões para o mercado como um todo?

Valéria Martins: A homenagem já trouxe um maior reconhecimento, de 2011 a 2012 cerca de 40 livros de autores brasileiros foram publicados na Alemanha. De 2012 a 2013, o número aumentou para 120 ou algo assim. É claro que ao longo do ano que vem o número tende a diminuir e será a vez da literatura da Finlândia, próximo homenageado, entrar em evidência. Mas se o programa de apoio a tradução da Biblioteca Nacional continuar, creio que teremos uma continuidade, sim.

Para você, qual é o maior empecilho para que autores brasileiros não sejam mais traduzidos e publicados lá fora? O idioma ainda é visto como um fator problemático?

Valéria Martins: Sim, o idioma é um fator problemático. Você foi à Bienal do Rio? Viu o estande da Alemanha? Caso sim, teria a exata percepção dessa dificuldade (a menos que fale alemão): livros lindos e bem ilustrados, mas eu não entendia nada do que estava escrito. Outra questão é que literatura vende pouco ou menos em qualquer lugar, seja aqui ou na Europa.

Durante a Feira você percebeu que houve mudança no tipo de literatura que as editoras estrangeiras buscam em nosso país ou o que as atrai ainda é o exotismo pelo qual o Brasil ficou conhecido?

Valéria Martins: O que atrai ainda é o exotismo, mas temos muitos livros de literatura brasileira de alta qualidade publicados lá fora, como as obras de Carola Saavedra, Luiz Ruffato e João Almino.

Qual o perfil de autor que você tem visto que melhor se adequa às exigências do mercado literário internacional?

Valéria Martins: Melhor não responder essa pergunta porque não existe regra. Paulo Coelho é um exemplo que foge a qualquer regra. Por outro lado, escritores excelentes da literatura brasileira estão tentando ser publicado no exterior e ainda não foram: Ronaldo Correia Brito, Adriana Lunardi.

A pausa do tempo, de Valéria Martins
Livro lançado recentemente

Além de agente literária você também é escritora, com cinco livros publicados. De que forma a agente e a autora interagem e se influenciam mutuamente?

Valéria Martins: É difícil. Tenho que ler muito os trabalhos dos outros, não sobra tempo para as leituras por prazer e não sou boa em cumprir as orientações que dou aos meus clientes. Acho que preciso de um agente literário.

A partir da sua experiência em editoras, que dica você daria para um aspirante a escritor que não sabe como conseguir uma oportunidade no mercado literário e também não tem condições de ter um agente?

Valéria Martins: Ler toda a imprensa dedicada a livros, especialmente o Jornal Rascunho. Acompanhar os eventos literários, ir a noites de autógrafos e debates com escritores. Se estiver inseguro, faça um curso na Estação das Letras. Ter uma boa página no facebook onde fale de livros e literatura. Por fim, que banque a primeira edição e contrate uma boa assessoria de imprensa. Ah, e que seja leitor assíduo do Blog da Ronize Aline.

Então você acredita que vale a pena para um escritor bancar a primeira edição do seu livro para que tenha um material publicado? Como isso é visto atualmente pelas demais editoras?

Valéria Martins: Sim, vale a pena bancar desde que isso seja feito de forma orientada e bem feita, com intenção correta, e que o trabalho de edição/divulgação seja excelente, e que o livro publicado chegue às mãos das pessoas certas… Na agência nós fazemos essa parte, de orientação e divulgação posterior.

Que quiser conhecer mais sobre o trabalho de Valéria como agente literária pode visitar o site da Shahid Produções Culturais. Quem quiser conhecer seu lado escritora é só visitar o blog Pausa do Tempo.

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Sobre o Autor

Ronize Aline
Ronize Aline

Ronize Aline é escritora e consultora literária. Já foi crítica literária do jornal O Globo, do Rio de Janeiro, e trabalhou como preparadora de originais para várias editoras nacionais. Atualmente orienta escritores a desenvolverem suas habilidades criativas e criarem histórias com potencial de publicação.

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