Escreva como Umberto Eco: 6 técnicas para construir um romance

Escreva como Umberto Eco: 6 técnicas para construir um romance.

Além de seus trabalhos acadêmicos, nas áreas de Filosofia e Linguística, Umberto Eco também é conhecido por seus romances que misturam personagens reais e fictícios em tramas elaboradas a partir de uma riqueza de elementos históricos. Mas como terá sido o processo de criação desses romances? Em que técnicas usadas por Eco podemos nos basear para construirmos nossas próprias histórias? No artigo de hoje iremos conferir seis técnicas utilizadas pelo autor para criar suas obras.

Aprenda a escrever como Umberto Eco

Antes de começar a escrever seus romances, Umberto Eco passa por uma gestação literária, como ele mesmo denomina. Esse tempo pode durar alguns anos, até que ele se sinta confortável com o que acumulou a respeito da história. “Passo esses anos preparatórios numa espécie de castelo encantado – ou, se preferirem, num estado de retiro autista. Ninguém sabe o que estou fazendo, nem a minha família. Dou a impressão de realizar uma série de atividades distintas, mas estou sempre concentrado na captura de ideias, imagens e palavras para minha história”, diz o autor no livro Confissões de um jovem romancista (Editora CosacNaify). Veja abaixo seis valiosas técnicas utilizadas por Umberto Eco durante a gestação literária.

Umberto Eco

1. Comece a partir de uma ideia seminal

Eco diz que seus romances costumam surgir de uma ideia seminal, algo um pouco maior do que uma imagem. No caso de seu primeiro livro, O nome da rosa, a ideia seminal era “envenenar um monge”. O autor ficou impressionado com uma imagem que lhe vinha à mente, de um monge envenenado enquanto lia um livro. Como há 25 anos o autor pesquisava e colecionava fichas sobre a Idade Média para seus trabalhos acadêmicos, foi só uma questão de voltar a esse material – dessa vez com um objetivo distinto – e desenvolver a história a partir da ideia inicial.

Procure definir a sua ideia seminal em uma frase. Ela deve ser sucinta o suficiente para que possa ser explicitada rapidamente, mas também ter um grande potencial de desenvolvimento.

2. Visite os lugares

Conhecer os lugares onde se passam suas histórias é uma das técnicas que Umberto Eco costuma seguir à risca. Tendo o domínio do espaço fica mais fácil construir as cenas e distribuir os personagens pelos diferentes cenários. Durante o período de gestação de O pêndulo de Foucault, o autor costumava passar várias noites andando pelos corredores do Conservatoire des Arts et Métiers, onde acontecem alguns dos principais eventos da história. E para descrever a caminhada noturna de Casaubon por Paris, do Conservatoire à Place des Vosges e dali para a Torre Eiffel, ele perambulou várias madrugadas pela cidade ditando para um gravador tudo o que via, para que não errasse os locais e nomes das ruas. Já para A ilha do dia anterior, viajou para os Mares do Sul, para o local exato onde se passa a história. Lá pôde contemplar as cores da água e do céu em horas diferentes do dia, além dos matizes dos peixes e dos corais.

Se possível, visite os lugares onde sua história se passa. Tenha domínio do ambiente, anote tudo o que vê, até mesmo as sensações, aromas e impressões do local. Sinta-se como seus personagens se sentiriam. Imagine-os caminhando por aquelas ruas ou entrando naqueles ambientes. Familiarize-se para poder emprestar aos personagens suas sensações.

3. Pesquise e consulte documentos

No romance A ilha do dia anterior, Umberto Eco queria escrever sobre espaços naturais, abertos – ao contrário do que havia feito em O nome da rosa, no qual falara sobre os espaços confinados dos mosteiros. A ideia foi inserir o herói da história em uma ilha deserta. Ele também queria abordar a Linha Internacional de Mudança de Data, sobre o meridiano 180, da seguinte forma: o protagonista precisava ficar a oeste dessa linha e ver uma ilha a leste, onde esteve um dia antes. Ele não podia ter naufragado na própria ilha, mas precisava ter sido abandonado em um ponto onde pudesse enxergá-la. Esse local fica nas ilhas Aleutas, mas a perspectiva de ir até uma região gelada não o agradou nem um pouco. Contudo, pesquisando livros e documentos, descobriu que a Linha da Data também passava pelo Arquipélago de Fiji, de onde ele decidiu começar o romance. A partir daí, como vimos acima, ele visitou os Mares do Sul para dar início à sua pesquisa.

A ilha do dia anterior demorou seis anos para ser escrito, enquanto O nome da rosa demorou apenas dois anos, já que toda a pesquisa sobre a Idade Média havia sido feita anteriormente para a tese de doutorado de Eco, que foi sobre estética medieval, e estudos posteriores a respeito do período. Dois ou três dos seis anos gastos na produção de A ilha do dia anterior o autor passou estudando os desenhos e modelos de embarcações da época, a fim de descobrir as dimensões de uma cabine ou de um compartimento. Isso foi utilizado no livro para saber como o personagem se locomoveria de uma até o outro.

Pesquise sobre a época que você está escrevendo, personagens históricos – se há algum na sua obra -, fatos e objetos que fazem parte da história. Além de dar credibilidade à obra, também irá lhe dar domínio sobre espaço e tempo, resultando em um maior aproveitamento narrativo.

O nome da rosa, de Umberto Eco
Cena do filme “O nome da rosa”, baseado no livro de Umberto Eco

4. Desenhe mapas

O escritor deve começar sendo o criador de um mundo, que precisa ser o mais fiel possível para que se possa locomover nele com a maior segunrança – é o que diz Umberto Eco. Para o romance O nome da rosa, antes de começar a escrever ele desenhou centenas de labirintos e plantas de mosteiros. Dessa forma ele sabia quanto tempo dois personagens levariam para ir de um lugar a outro, conversando no caminho. Assim, o desenho dos mapas influenciou a extensão dos diálogos de tal forma que, ao começar a produção da transposição para o cinema, seus diálogos foram elogiados por estarem no tamanho certo de uma produção cinematográfica.

Na preparação de O pêndulo de Foucault, o autor desenhou várias plantas para determinar como seria a passagem entre as editoras Manuzio e Garamond, que ficavam entre dois prédios adjacentes, e se haveria degraus para compensar a diferença de altura entre os dois edifícios. Eco diz que provavelmente o leitor não prestou muita atenção aos degraus durante a leitura, mas para ele o desenho dos degraus foi crucial para o prosseguimento da narrativa.

Faça esboços dos locais onde pretende desenvolver sua história. Calcule as distâncias, a disposição dos lugares e visualize seus personagens movimentando-se dentro desses cenários.

5. Desenhe os personagens

Para O nome da rosa, Eco fez retratos de todos os monges que aparecem na história. Isso ajudou-o a visualizar as características de cada um deles, imprimindo-lhes uma marca individual. Pode ser que você não tenha o talento para desenho muito desenvolvido, como é o meu caso. Antes de escrever minhas histórias costumo fazer uma pesquisa em revistas, folhetos e até mesmo na internet, buscando imagens de pessoas mas, principalmente, de rostos. Recorto essas imagens e colo-as em um caderno reservado para a construção dos personagens. A partir das imagens vou definindo as características, tanto físicas quanto emocionais e psicológicas. Gosto de ter o rosto de meus personagens em mente quando escrevo. Isso torna mais fácil imaginar as reações e atitudes frente às mais diversas situações.

Portanto, reserve um tempo para desenhar – ou recortar, como no meu caso – imagens do rosto de seus personagens. É muito mais fácil falar, ou escrever, sobre alguém quando temos seu rosto em mente, não é?

6. Desenvolva um estilo único

Depois de passar o tempo de gestação literária, durante o qual determinou-se o universo narrativo, fica muito mais fácil fazer as palavras fluirem de acordo com o estilo esperado – é o que nos ensina Eco. Para O nome da rosa, por exemplo, o autor utilizou o estilo de um cronista medieval, um modesto monge do século XIV: preciso, ingênuo e monótono quando necessário. Em O pêndulo de Foucault, inseriu uma mescla de linguagens: a fala educada de Agliè, a retórica fascista de Ardenti, a linguagem desencantada e ironicamente literária dos arquivos secretos de Belbo e os diálogos vulgares dos três editores.

Não pense em você como um autor de estilo único. Pense que, a exemplo da obra de Umberto Eco, seus livros têm cada qual seu estilo único. Escreva partindo de sua pesquisa prévia e faça fluir um estilo condizente com a história. E ouse, como no caso de O pêndulo de Foucault, misturar vários estilos se assim a narrativa exigir.

Confissões de um jovem romancista, de Umberto Eco

Agora você já pode escrever como Umberto Eco

“É o universo que o autor construiu e os eventos que ali ocorrem que regem o ritmo, o estilo e até mesmo a escolha do vocabulário”, ensina o autor. E completa: “Conheça o assunto, e as palavras irão fluir”. As técnicas apresentadas nesse artigo fazem parte do imprescindível livro Confissões de um jovem romancista, de Umberto Eco (Editora CosacNaify), que ganhei de Natal e devorei imediatamente. De forma generosa, o autor nos fala sobre os bastidores da criação literária de seus romances, do que ele aprendeu escrevendo e do que podemos aprender com sua própria experiência. Essa é uma obra indispensável a qualquer um que queira levar suas histórias a um passo além na qualidade, estilo e desempenho narrativo. Quem gostou das técnicas valiosas apresentadas aqui e quiser conhecer mais segredos de como o autor constrói seus romances, pode encontrar o livro com um preço bem em conta nesse site.

Conte para nós do que você mais gosta nos romances de Umberto Eco?

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Sobre o Autor

Ronize Aline
Ronize Aline

Ronize Aline é escritora e consultora literária. Já foi crítica literária do jornal O Globo, do Rio de Janeiro, e trabalhou como preparadora de originais para várias editoras nacionais. Atualmente orienta escritores a desenvolverem suas habilidades criativas e criarem histórias com potencial de publicação.

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