“Acredito que para escrever algo minimamente aceitável é preciso ter vivido o suficiente, ter tido experiências, cicatrizes, coisas assim.” O dono dessa declaração, o escritor YN Daniel, leva tão a sério suas convicções que até os 35 anos costumava rasgar todas as suas produções literárias, em um constante exercício de auto-crítica. Após muitas experiências, cicatrizes e demais “coisas assim”, Daniel lança 2363, seu mais recente livro, que define como uma hard fiction. Misturando ficção a fatos reais, e fruto de um trabalho de pesquisa de um ano em documentos históricos, a obra foi lançada em formato digital e impresso. Abaixo, uma entrevista com o autor, que falou sobre sua obra, seu processo criativo e o cenário literário atual.
A hard fiction de YN Daniel
O seu livro recém-lançado, 2363, trata de um atentado ao consulado americano em Paris. Para ajudar na investigação, que tem a participação da CIA, é contratada uma prostituta com uma rara habilidade de ler mentes. Ela tem a missão a vasculhar a mente do diretor da CIA – que no ano de 2363 já não é mais um órgão pertencente ao poder público e também não conta com a confiança do governo – e sobreviver para contar o que viu. Em que gênero você colocaria sua obra? E você acha que hoje em dia, com todas as mudanças pelas quais o romance tem passado, ainda dá para falar de divisão por gênero ou a categorização pode ser uma camisa de força para o autor?
YN Daniel: Gosto de pensar que o que faço é hard fiction. Mas creio que o limite é a imaginação de quem escreve. Ainda há uma certa censura no meio literário brasileiro. Existe uma tendência a querer que os escritores escrevam tenham uma espécie de engajamento político ou uma estética a qual estabeleceu-se como tipicamente brasileira. Mas acho isso uma bobagem. Se o escritor quiser escrever sobre o povo Rapanui da ilha de Páscoa, que escreva. Como diria o caipira, “bão tomém”.
A ação do seu livro se passa no ano de 2363, ou seja, em um cenário futurista. No entanto, para escrevê-lo, você fez uma pesquisa de um ano em documentos históricos sobre o Brasil colonial, a guerra da independência americana e o mil anos de guerra entre franceses e ingleses. De que forma essas informações se entrelaçam em uma narrativa de ação que acontece no futuro?
YN Daniel: Elas criam uma atmosfera através da qual me é mais fácil extrapolar um possível futuro. A história do Brasil até 1700 é toda contada por Franceses, Ingleses e Holandeses. Os portugueses não escreviam sobre o Brasil. Isso significa que o olhar estrangeiro foi o que nos definiu logo no início da formação do País. No século XVI, os franceses tiveram sonhos de colonizar o Brasil, mas foram impedidos pelos portugueses e pela infantaria católica, os jesuítas. No século XVIII, devido a sua animosidade milenar com os ingleses, os franceses foram decisivos na independência dos Estados Unidos, ajudando com soldados e armamentos pesados.
Brasil, França, Inglaterra, Estados Unidos, existe um fio invisível de séculos ligando esses países.
Minha pergunta então foi, “Sabendo do passado, o que seria factível de acontecer daqui a trezentos anos no futuro?”
Você passou um ano realizando a pesquisa histórica. Durante esse tempo você também ia escrevendo ou esperou terminar toda a pesquisa primeiro para, só então, começar a contar a sua história? E por quê?
YN Daniel: Fiz toda a pesquisa histórica e só então comecei a escrever o livro. Eu não sabia exatamente quantos livros ou o que exatamente eu tinha que ler. Eu tinha uma ideia genérica, e com isso em mente comecei a pesquisar. Um dos livros que mais me divertiu durante a pesquisa foi 1000 Years of Annoying the French, de Stephen Clarke. Centenas de curiosidades históricas demonstrando que na guerra entre Inglaterra e França ambos os países tiveram sua cota de monstruosidades.
Curiosidade:
Há muitos livros sobre o Brasil do século XVI, XVII e XVIII. E são gratuitos, e estão disponíveis para serem baixados no Kindle. Histoire D’VN VOYAGE FAICT EM LA TERRE DY BRESIL, AVTREMENT DITE AMERIQUE (Escrito entre 1534 e 1611), é um dos livros gratuitos que baixei. O problema é que eles estão todos em francês arcaico ou em inglês arcaico. Sim, há livros atuais em português que falam sobre o assunto, mas eu queria ler os livros escritos nesses séculos, e não uma releitura ou uma interpretação atual.
Seus romances costumam misturar fato e ficção, numa costura nem sempre perceptível. Outros escritores também gostam de trabalhar mesclando realidade e fantasia sem definir com precisão seus limites. Umberto Eco, por exemplo, mistura personagens reais e fictícios, sendo que sua liberdade criativa atinge até mesmo os reais. Você se identifica com algum dos autores que compartilham dessa sua característica literária? Algum deles serviu-lhe de inspiração?
YN Daniel: A minha grande inspiração é Frank Herbert. Foi por causa dele que decidi que ser escritor. Frank Herbert escreveu o que é, provavelmente, o maior clássico de todos os tempos da ficção científica, Duna. Apesar do livro ser uma ficção aparentemente completamente dissociada da realidade, ela é inteira inspirada nos conflitos do oriente médio e da desestruturação daquela área devido o advento da exploração do petróleo.
Uma curiosidade a seu respeito é que, até os 35 anos, você jogava fora, rasgava ou queimava qualquer produção literária sua, fosse poesia, crônica ou conto. Isso era resultado de uma auto-crítica excessiva ou temor de que, como acontece com vários escritores, essas obras viessem a se publicadas e, mais tarde, você se arrependesse, vindo até mesmo a renegá-las?
YN Daniel: Creio que a auto-crítica é um bem inestimável de qualquer escritor. Don’t believe the hype, é o meu lema. Havia um medo sim, de que no futuro alguém encontrasse essas escritos e decidisse publicá-los. Seria uma lástima. A literatura não é como a matemática na qual você pode ser brilhante aos 12 anos. Acredito que para escrever algo minimamente aceitável é preciso ter vivido o suficiente, ter tido experiências, cicatrizes, coisas assim.
Como leitor, sua preferência recai sobre livros que se assemelham em estilo aos seus ou busca leituras literárias diferentes? O que pode-se encontrar em sua mesa de cabeceira hoje em dia?
YN Daniel: Minha leitura é quase sempre com o objetivo de conseguir insumos para meu próximo livro. Estou lendo agora o Livro de Travesseiro, que é um conjunto de escritos de Sei Shonagon. Uma dama da corte imperial japonesa do século X. Antes desse livro estava lendo Loki, e antes desse estava lendo o Gorin No Sho de Miyamoto Musashi.
Você tem acompanhado seus contemporâneos? Se sim, que obras do cenário literário brasileiro produzidas por jovens escritores lhe chamaram a atenção, e por quê?
YN Daniel: Noventa porcento do que leio são clássicos (não necessáriamente da literatura). Um clássico que li em 2013, por exemplo, é A Origem da Espécies de Darwin. Estranhamente, a literatura que produzo não tem necessariamente como insumo a própria literatura. Mas respondendo a pergunta, Mia Couto e Milton Hatoum. Em especial Milton Hatoum que escreve algo completamente distante de mim. Provavelmente nunca farei nada nem parecido com o que ele faz, mas é justamente por isso que o aprecio como escritor.
Conte um pouco sobre o seu processo criativo. Já sabemos que passa muito tempo realizando a pesquisa para o livro. Mas e depois? Você o estrutura, faz um esboço, cria perfil de personagens, ou deixa simplesmente a escrita fluir?
YN Daniel: Depois de muita pesquisa, quando sinto que já tem nuvem suficiente para chover um livro, começo a escrever. Nesse ponto, defino o início e o fim do livro. O que acontece no meio, eu só vou descobrir na hora da escrita. É como assistir uma série de TV. Só que é você que está produzindo pra você mesmo. Você não sabe o que vai acontecer no próximo episódio. Cada capítulo é uma surpresa para você mesmo.
Os personagens vão surgindo naturalmente.
O seu livro 2363 foi lançado em edição impressa, pela editora Chiado, e em ebook pela Amazon. Como tem sido a sua experiência com os dois formatos de publicação?
YN Daniel: São públicos diferentes. Para quem lê apenas livros de papel, a ideia de migrar para o digital não é agradável. Para quem já está no formato kindle, kobo e etc…, o papel é algo importante, mas já não é mais essencial.
Mas sei por experiência própria que o formato eletrônico tem pouca penetração no Brasil. O que vale aqui é o formato papel.
Fale um pouco sobre seus outros escritos: lançados, em produção ou ainda projetos. E deixe os links para o livro e outros espaços onde podemos ler um pouco mais do seu trabalho.
YN Daniel: Neste momento estou focado no 2363.
Além dele tenho desejo de finalizar a série Histórias Peregrinas dos Dias de Sal. Que é formada por , Um Sol e Dois Olhos Âmbar, Rumo às Colinas de Aço e o terceiro, o qual ainda não está finalizado. No futuro quero lançar a série inteira como um único livro.
Mas é um projeto sem data para acontecer.
Toda minha produção está presente no meu blog. É o meu canal principal de divulgação: http://yndaniel.blogspot.com
O livro 2363 em formato digital encontra-se disponível aqui.
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