[Resenha] Avião de papel: um voo sobre a invenção de si mesmo

Por que alguém se propõe a escrever um livro? Que necessidade é essa de contar histórias, compartilhar o que viveu, o que ficou sabendo ou imaginou? É algum tipo de redenção, salvação? De si ou dos outros? Todas essas questões afloram com a leitura de Avião de papel, primeiro romance de Beatriz Castanheira e que traz como narradora alguém que resolve transformar em livro uma história que conheceu de perto.

Em Avião de papel, Beatriz vai reconstruindo uma espécie de jogo da memória: cabe ao leitor ir desvelando as peças, combinando-as, para montar a história. Nada vem fácil, nem mesmo seu texto está ali para suavizar o prazer da leitura. Pelo contrário. É um texto que incomoda, tira da zona de conforto, faz o leitor remexer-se na leitura enquanto decifra as pistas deixadas pela autora.”É que existe um sentimento de pressa, irreplicável, que nada tem a ver com a época em que vivemos. É um modo masculino, característico, de conduzir a conquista. Como se sonhassem e se deparassem, súbito, com o objeto do sonho; mas de nada adianta aquela placa, visível sob o vidro, próxima às peças de arte em exposição: ‘favor não tocar’. De nada adianta.”

avião de papel

Otávio é um engenheiro que muda-se para o interior de Minas Gerais a trabalho depois de uma temporada em Londres. Mais do que uma mudança geográfica, ele embarca numa viagem rumo ao passado e ao futuro, simultaneamente. Londres e o interior mineiro ora convivem harmonicamente nele, ora se esbarram e provocam conflito. Londres e Minas são as irmãs Clara e Sílvia, tão díspares e tão complementares na vida de Otávio.Com um pé cá e outro lá, Otávio tenta descobrir que tipo de personagem ele é nessa história que inventou (inventaram?) para si.

Aos poucos, Otávio vai se enveredando e sendo enveredado pela vida interiorana, por Clara e Sílvia, por Rílare e pelos seus próprios sentimentos. Porque Beatriz não quer ocupar-se das ações de seus personagens, mas de suas decisões. Dos porquês que a todos assombram mesmo quando estamos a despistá-los. E faz isso empilhando camadas de texto, num movimento espiral que vai, de forma subreptícia, carregando o leitor por nuances que não são vistas a olho nu.

“Era vigente, antes de mais nada, prevenir-se de qualquer desorientação que um diálogo inesperado pudesse envolver. Identificou esta força como quem, durante toda a permanência nesta cidade, não fazia mais do que desprezar as circunstâncias. Era a sua maneira de ver as coisas.”

Avião de Papel
Beatriz Castanheira
Romance
Editora Apicuri
171 páginas

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Sobre o Autor

Ronize Aline
Ronize Aline

Ronize Aline é escritora e consultora literária. Já foi crítica literária do jornal O Globo, do Rio de Janeiro, e trabalhou como preparadora de originais para várias editoras nacionais. Atualmente orienta escritores a desenvolverem suas habilidades criativas e criarem histórias com potencial de publicação.

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