Imaginar é criar mundos fictícios para fugirmos da realidade ou é uma forma de lidarmos com as dificuldades do nosso próprio mundo? Talvez a maioria responda a primeira opção, mas e quando imaginar significa descobrir novas formas de interagir com os entraves do dia a dia e as pessoas à nossa volta? Daí surge um livro que junta tudo isso de forma primorosa, Sete cartas de outro planeta, novo infantil de Ana Cristina Melo que será lançado no Rio de Janeiro no próximo domingo (18/10), a partir das 16 horas, na Livraria da Travessa de Botafogo (Rua Voluntários da Pátria, 97).
Com um mote fantasioso, Ana Cristina desenvolve uma narrativa que traz raízes profundas na realidade e vai deixando pistas, testando o leitor, fazendo-nos duvidar que a história que estamos lendo é a mesma que foi escrita. Confuso? Não, engenhoso. O texto nos instiga a ler além do que nos é contado, além dos próprios personagens e, por que não, além de nós mesmos e das desculpas que criamos no nosso viver. E faz isso deixando antever muito coisa além do que a superfície tende a mostrar: “Se os dois estavam mentindo, quem estava falando a verdade?”.
Numa tarde em que nada acontece, enquanto tentava “achar o interruptor que desligava aquele tempo lerdo e chato”, a menina encontra a primeira de sete cartas deixadas por um ET que espera ser convidado para uma visita. Em cada uma delas, ele tenta chamar a atenção dos pais e do irmão da menina com uma oferta diferente: caixinha de tempo, vidrinhos de desculpas, máquina de reciclagem de palavras e até um robô que faz tudo dentro de casa. Mas o que, na verdade, são essas cartas? Quem, de fato, é capaz de ler nas entrelinhas? Ana Cristina traduz de forma poética as idas e vindas da rotina familiar; pinta com cores diversas o que, por vezes, nos parece tão monocromático. A partir do seu olhar, a vida é uma brincadeira de roda em que nem sempre conseguimos entrar.
A narrativa é construída de forma semelhante àquele antigo truque dos lenços, em que o mágico vai retirando da boca uma fila interminável deles, presos um ao outro. As palavras que saem da pena da autora vêm amarradas umas às outras, infindáveis, revelando pouco a pouco a fascinante mágica da história. “A terceira carta chegou num domingo em que meu irmão e eu começamos jogando War, depois decidimos que era mais divertido jogar almofada um no outro e, quando mamãe voltou da feira, quase foi acertada pelas palavras muito feias que estávamos jogando por cima dos móveis.”
As ilustrações de Sete cartas de outro planeta são de Patrícia Melo que, assim como Ana, vai deixando pistas da história nos seus traços. Patrícia explora os detalhes que fundem-se ao texto e compõem um único fio literário fluido, sem amarras nem costuras à vista. A ilustradora não revela, sugere. Não esgota, deixa espaço para preenchermos suas ilustrações com nosso próprio olhar. Destaque para o fato de o rosto da menina nunca ser mostrado ao longo do livro (exceto, em parte, na capa) e para as ilustrações que favorecem o ponto de vista da protagonista.
Ao crescer, precisamos nos livrar de muita coisa para abrir espaço para as responsabilidades da vida adulta. A primeira coisa da qual nos livramos parece ser a capacidade de prestarmos atenção nas pequenas coisas, e até mesmo no imponderável que bate à nossa porta. Seguimos ignorando os ETs que, no fundo, só querem um pouco de atenção. Assim como qualquer um de nós. E você, quantos ETs já ignorou hoje?
Sete cartas de outro planeta
Ana Cristina Melo
Ilustrações de Patrícia Melo
Editora Bambolê
36 páginas
Esse post faz parte da série Criança na Literatura, em comemoração ao mês da criança. Perdeu os posts anteriores? Siga os links:
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