Um dos pontos que geram mais dúvidas, e apresentam mais problemas, nas minhas consultorias literárias — seja no coaching, no copidesque ou na leitura crítica — é a pontuação de diálogos. Por mais interessantes que sejam, precisam estar pontuados corretamente para que, quando seu original for submetido a uma editora, esse não seja um fator negativo na avaliação. Por isso resolvi fazer este post mostrando como pontuar corretamente diálogos em um texto literário.
Há diferenças na pontuação dos diálogos em português e em outros idiomas, como o inglês, por exemplo. Por isso se você está acostumado a ler em língua estrangeira, pode estranhar as dicas abaixo. Lembre-se que as técnicas apresentadas no Conexão Autor são voltadas para o mercado editorial brasileiro, por isso o que trago nesse post vem da experiência que tenho realizando trabalhos de copidesque e preparação de originais para diversas editoras nacionais.
Pontuação nos diálogos
Diálogos cumprem papel fundamental em uma narrativa. A técnica do discurso direto é a representação literal da fala dos personagens, diferentemente do discurso indireto, em que a fala é absorvida pelo narrador, que a transmite em suas próprias palavras. Os diálogos interrompem a narração e cedem a cena aos próprios personagens, por isso é um bom momento para reforçar suas características, seu modo de falar e diferenciá-los entre si. Assim como as pessoas reais, os personagens expressam-se de forma diferente.
Veja, então, como pontuar corretamente seus diálogos:
TRAVESSÃO: diferentemente da língua inglesa, que pontua diálogos com aspas, na língua portuguesa inserimos os diálogos com o travessão. Eles aparecem no início da fala e também para separá-la do discurso indireto, ou seja, quando entra a voz do narrador.
Exemplo 1
— Por favor, não conte isso para ninguém — pediu Salvador.
Exemplo 2
— Você não conhece o filho que tem – berrou Maria. — Se conhecesse não o trataria dessa forma.
No primeiro exemplo, o travessão foi usado para iniciar a fala do personagem e para separá-la da narração, que é formada pelo verbo dicendi (verbos de declaração) “pediu” e pelo nome do personagem que emitiu a fala, “Salvador”.
No segundo exemplo, além de iniciar a fala, o travessão aparece duas vezes separando-a da narração: para introduzir a identificação do personagem — “berrou Maria” — e para retornar a fala ao personagem — “Se conhecesse…”.
LETRA MINÚSCULA: note, no primeiro exemplo, que o verbo discendi “pediu” começou com letra minúscula, porque é uma continuação da sentença, e o ponto final aparece apenas após o final da narração — “pediu Salvador” — e não após o final da fala “… para ninguém”. Mesmo que haja um ponto de exclamação ou interrogação ao final da fala, o verbo discendi virá com letra minúscula. Isso porque eles são marcadores visuais que nos dão a entoação da frase, e não colocam um final nela. isso vale para os diálogos também. Como nesse caso:
Exemplo 3
—Nem pense nisso! — alertou o professor.
LETRA MAIÚSCULA: há situações nos diálogos em que o texto que aparece após a fala e o travessão começa com letra maiúscula. Isso acontece quando não há verbo discendi que una diretamente a linha do diálogo à narração — como falou, disse, comentou, berrou… — e o que se segue é uma nova sentença. Observe:
Exemplo 4
— Eu não fico mais aqui. — A menina saiu batendo a porta, deixando todos estupefatos.
O que se segue ao travessão refere-se à fala da menina? Não, refere-se à ação que ela fez, sair batendo a porta. Isso significa que temos duas ideias diferentes, uma antes do travessão e outra depois, que descreve uma ação paralela ou seguida à fala. Por isso, a letra maiúscula na nova sentença.
PONTO FINAL: o lugar exato do ponto final em diálogos também causa confusão. Vamos entender como ele funciona. Tanto no exemplo 1 quanto no exemplo 2, o ponto final só aparece após o nome do personagem que emitiu aquela fala, já que há a presença do verbo discendi — “pediu”, no exemplo 1, e “berrou”, no exemplo 2. Mas no exemplo 3 o ponto final aparece logo ao fim da fala do personagem. Isso porque não há verbo discendi e, sim, uma nova ideia e uma nova sentença após o travessão.
DOIS PONTOS: os dois pontos devem introduzir os diálogos quando ele é anunciado por um verbo discendi. Veja:
Exemplo 5
Assustada com que o que acaba de ver, Rafaela sussurrou para a amiga:
— Vamos sair logo desse lugar.
VÍRGULA APÓS O TRAVESSÃO: essa é uma pontuação que poucos usam, e muitos acreditam estar errada. Mas não está. A vírgula após o travessão nos diálogos segue uma narração que veio inserida em meio à fala do personagem. Preste atenção:
Exemplo 6
— Eu adoro comida japonesa — disse Leone —, mas não como polvo de jeito nenhum.
Deu pra entender? A fala do personagem veio quebrada pela narração — “disse Leone”. Imagine a frase sem essa parte. Ficaria assim:
— Eu adoro comida japonesa, mas não como polvo de jeito nenhum.
A vírgula está ali, antes do “mas”, então ao inserirmos a narração no meio da sentença a vírgula continua no mesmo lugar, antes da segunda parte da fala — “mas não como polvo de jeito nenhum”.
CADA FALA EM UMA LINHA: não se esqueça que sempre que há alternância de personagens nos diálogos, a fala deve vir em uma nova linha. Observe:
Exemplo 7
— Não entendo por que você está tão nervoso — perguntou Maria.
— Não entende? Então vou te explicar — replicou, furioso, José.
Depois disso tudo, você poderá me dizer: e autores como Bukowski e José Saramago que subvertem qualquer regra de pontuação, inclusive nos diálogos? Pense em Picasso, que iniciou-se na pintura convencional, representativa, para somente depois explorar novos caminhos, vindo a fundar o Cubismo ao lado de Georges Braque. Primeiro temos que dominar as regras para, só muito mais tarde, quebrá-las.
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