7 lições de Kung Fu Panda 3 para escritores

Ontem fui assistir à pré-estreia de Kung Fu Panda 3 a convite do site Nível Épico. Cinema é sempre uma ótima oportunidade para observamos técnicas de construção de roteiro que podem ser perfeitamente aplicadas à literatura, já que tanto uma mídia quanto a outra tratam de contar histórias. Pois, além da diversão, saí de lá com 7 lições que o filme deixa para nós, escritores, no que se refere a construir uma narrativa. Atenção: não há grandes spoilers neste texto, mas se você é do tipo que não gosta de saber nada do filme antes de assisti-lo, leia o que se segue por sua conta e risco. Já se você não se importa, uma dica é observar as lições e, quando for assistir a Kung Fu Panda 3, observar como foram usadas na prática.

 

Aprendendo com Kung Fu Panda 3

 

Neste novo filme da série, o sumido pai de Po resolve visitar o filho e levá-lo para uma reunião familiar. No meio da confraternização, no entanto, o panda guerreiro é surpreendido por um espantoso vilão e recorre aos velhos amigos para treinar os moradores locais a fim de combater o ser malvado.

 

1. Entrada triunfal
Logo no início de Kung Fu Panda 3, Po diz aos outros guerreiros que é preciso ter uma entrada triunfal para a luta, causando impacto no adversário. Se trouxermos essa lição para o nosso ofício, uma entrada triunfal traduz-se em um primeiro capítulo marcante. É ali que temos que fisgar nosso leitor, logo no início do livro. Se o leitor não se sentir instigado a continuar, interessado na trama, preocupado com o protagonista, curioso para saber o que vem a seguir, de nada adiantará se o que se seguir for realmente bom. Corremos o risco de ele nem chegar até lá. Então, um primeiro capítulo triunfal, como diria Po, é essencial para mantermos o leitor ao nosso lado.

 

2. Se você só fizer o que sabe não vai ser nada além do que já é
Mestre Shifu quer que Po comece a ensinar os demais: Tigresa, Víbora, Macaco, Garça e Louva-a-Deus. Po argumenta que ele não sabe ensinar, apenas lutar contra os inimigos. Shifu, então, diz: “Se você só fizer o que sabe não vai ser nada além do que já é”. Esse medo de arriscar costuma acometer muitos escritores. Concordo que é difícil sair da zona de conforto, ousar em áreas em que não está acostumado, mas já pensou nos ganhos que isso pode trazer? Pode ser o processo de escrita, o gênero em que costuma escrever seus livros, o formato (muitos contistas temem não conseguir encarar o desafio de um romance, quando na verdada a brevidade do conto também não é tarefa fácil), o uso de uma técnica ou outra… o que importa é tentar coisas novas. Arrisque, teste e veja o resultado. Você mesmo pode se surpreender.

 

Mestre Shifu - Kung Fu Panda
Mestre Shifu – Imagem de divulgação

 

3. Eu não tenho que lhe transformar em mim, eu só tenho que lhe transformar em você mesmo
Seguindo na mesma cena anterior, Po argumenta que jamais conseguirá ser igual ao Mestre, ao que Shifu responde: “Eu não tenho que lhe transformar em mim, eu só tenho que lhe transformar em você mesmo”. Muitas vezes ficamos desanimados por achar que jamais seremos como nossos autores preferidos, nunca conseguiremos escrever como eles. É aí que entra a sabedoria de Mestre Shifu: não temos que escrever como eles, temos que achar o nosso estilo, descobrir o nosso jeito de contar histórias. Não necessariamente melhor ou pior, e definitivamente não igual, mas diferente. Temos de achar o nosso tom, para nos transformarmos no escritor que apenas nós conseguiremos ser.

 

4. Setup/payoff
Nas cenas descritas nos tópicos 2 e 3, Po só vai entender o que Shifu quis dizer com as duas frase já na parte final de Kung Fu Panda 3, quando ele se recorda dos ensinamentos do Mestre e os coloca em prática. Essa é uma técnica chamada setup and payoff, na qual algo que pode parecer irrelevante a princípio é “plantado” (setup) previamente na história e sua importância só será “revelada” (payoff) mais tarde. Essa é uma forma de surpreender o leitor sem subestimar sua inteligência, pois ele irá reconhecer o fato apresentado previamente e entenderá sua função dentro da narrativa. Não é como um truque que o autor tira do chapéu revelando uma solução que não tem ligação alguma com a história, mas, sim, um desfecho que esteve o tempo todo lá, bastava ao leitor ligar os pontos. Isso mostra como o autor sabia exatamente aonde queria chegar ao final.

 

5. Flashback em vez de ordem sequencial
Em pelo menos dois momentos de Kung Fu Panda 3 aparecem flashbacks para esclarecer algum fato passado que tem importância para a compreensão da história. Como fomos treinados a pensar linearmente, é comum querer colocar os fatos todos em ordem cronológica. Isso, muitas vezes, faz com que o livro traga uma série de eventos passados antes de entrar na história principal propriamente dita, como forma de apresentar tais eventos ao leitor – já que eles serão importantes lá na frente. No entanto, isso atrasa o início da história e, como consequência, o envolvimento do leitor com os fatos com os quais queremos que ele realmente se envolva. No filme, por exemplo, a história é sobre a volta do pai de Po e a volta do espírito maligno Kai do reino dos mortos, que o panda guerreiro terá que enfrentar. Mas há fatos que precisam vir a conhecimento, como quem era Kai e como Po se perdeu de seu pai. Esses fatos aparecem no meio da história, quando é necessário que apareçam. Dessa forma, já estamos envolvidos com a jornada de Po no filme e a inserção de eventos passados faz muito mais sentido do que se tivessem sido contados no início.

 

kung fu panda
Kung Fu Panda 3 – Imagem de divulgação

 

6. Herói atrapalhado
Heróis são perfeitos, certo? Errado. Nem mesmo heróis são infalíveis. É preciso que tenham fraquezas, defeitos, indecisões… isso os tornará mais humanos, mesmo sendo heróis. E que tal um herói que não pareça herói? Po é um herói improvável: guerreiro atrapalhado e que na maioria das vezes não vê e não entende o que está à sua frente. Falta destreza e perspicácia. Talvez por isso seja tão cativante. Que tal criar um herói que foge dos padrões? Torne-o único, e não uma cópia de tantos heróis que já existem por aí.

 

7. Misturar técnicas  (flashback)
Inserir uma técnica, uma forma de narrar, diferente ao longo da história destaca a parte em questão. Em Kung Fu Panda 3, nos momentos de flashback as cenas aparecem desenhadas e animadas de forma distinta do resto do filme. Isso deixa claro que o que está sendo narrado foge à linha principal. Esse mix de técnicas é utilizado em diversos filmes e por diversos diretores e/ou roteiristas, como é o caso de Quentino Tarantino. No caso da literatura, você pode usar, por exemplo, emails, notícias de jornal ou um jeito de escrever diferente. O importante é que o momento escolhido para isso faça sentido, e não apenas fazer por fazer. A quebra do estilo de narrativa deve se justificar dentro da trama.

 

Para quem ficou interessado, Kung Fu Panda estreia em circuito nacional no dia 3 de março.

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Sobre o Autor

Ronize Aline
Ronize Aline

Ronize Aline é escritora e consultora literária. Já foi crítica literária do jornal O Globo, do Rio de Janeiro, e trabalhou como preparadora de originais para várias editoras nacionais. Atualmente orienta escritores a desenvolverem suas habilidades criativas e criarem histórias com potencial de publicação.

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