Imagine uma cebola e suas múltiplas camadas. Agora concentre-se em descamá-la, pouco a pouco. À medida que uma camada é retirada, outra mais profunda fica à mostra. E assim sucessivamente, até que fica impossível evitar o marejar dos olhos. Essa é uma metáfora perfeita para falar da experiência de ler Onde cantam os pássaros, de Evie Wyld, da editora DarkSide Books.
Mais do que uma leitura, entrar no universo criado por Evie Wyld é uma experiência que atinge todos os sentidos. Uma experiência da estranheza, do contraste e da dificuldade de adaptação. A narrativa construída de forma primorosa nos faz ver os vultos na escuridão, ouvir o balido das ovelhas, sentir o cheiro de esterco e experimentar o pavor de Jake, a protagonista, também ela construída em camadas.
Jake traz em si o acúmulo da poeira que impregna seu passado e embaça seu presente. Nada nela é previsível. Há o avançar e o hesitar de quem carrega um segredo e vive assombrada por ele. O medo, por vezes, limita as ações e a prende ao que já foi; por vezes, a impulsiona ao desconhecido – já que este pode ser mostrar menos amedrontador do que o que já vivido.
A história de Onde cantam os pássaros é contada em três atos, três movimentos no tempo que se alternam na narrativa e equilibram a tensão no leitor. Evie elabora seu texto mimetizando um labirinto narrativo com caminhos demais, saídas de menos, umas falsas, outras camufladas, quase sempre assustadoras. A única certeza é que não haverá final feliz. Até porque o final não está onde esperaríamos que estivesse – mais uma das engenhosidades da autora.
Jake trabalha em uma fazenda de tosa de ovelhas. Jake tem uma fazenda de ovelhas. Jake é a ovelha negra da família. Esses três momentos da vida da protagonista, representados nos três atos da narrativa, entrelaçam-se e complementam-se, oferecendo ao leitor uma experiência única de ir ligando os pontos até completar a imagem que, talvez, nos revele de que tanto Jake foge.
Onde cantam os pássaros é entremeado de sombras e fugas. Sombras que acompanham Jake e aprisionam-na em um clima denso, onde o peso do nada e de tudo misturam-se ao cheiro de podridão que preenche todos os espaços. Não há para onde fugir, já que a podridão parece estar dentro de si mesma, não é, Jake? O cheiro do passado, do não dito e confessado, entranha-se em sua pele forçando-a a buscar o refrescar-se impossível. Como tirar o calor do corpo, o cheiro que sufoca, como trazer o vento que afasta a poeira que encobre o que já foi um dia? Melhor seria deixar a poeira onde está e somar a ela outra camada, de poeira também, em vez de mostrar a carne crua, esfolada que ainda arde por baixo.
Somado ao prazer da leitura, há o prazer visual. Como já é comum em outros lançamentos da editora DarkSide Books, o projeto gráfico é um encantamento à parte. Impecável em cada uma das partes, é um daqueles livros que merecem figurar com destaque na estante. Cada detalhe parece ter sido pensado para aprimorar ainda mais a experiência imersiva do leitor. Desde a capa dura e sua enigmática ilustração revestida de soft touch e verniz localizado até as laterais das páginas pintadas de preto, tudo está ali como uma metáfora do que é contado na história. A própria escolha das cores é uma achado: o rosa inocente e o preto mórbido, sufocante, ambos os tons presentes de alguma forma na personalidade instigante de Jake. A guarda do livro traz um rebanho de ovelhas, animais icônicos no texto de Evie. Todos esses elementos estão ali para preparar-nos para um mergulho intensivo na narrativa que se segue.
Onde cantam os pássaros tem conquistado diversos prêmios pelo mundo: o Barnes & Noble Discover Award, oferecido pela livraria de mesmo nome aos novos autores de destaque, o britânico Jerwood Fiction Uncovered Prize e o mais importante prêmio australiano, Miles Franklin Award.
Onde cantam os pássaros
Evie Wyld
Tradução: Leandro Durazzo
DarkSide Books
2015
256 páginas
Sinopse: Jake White leva uma vida simples numa ilha inglesa. Suas únicas companhias são rochedos, a chuva incessante, suas ovelhas e um cachorro, que atende pelo nome de Cão. Tendo escolhido a solidão por vontade própria, Jake precisa lidar com acontecimentos recentes que põem em dúvida o quanto ela realmente está sozinha – e o quanto estará segura. De tempos em tempos, uma de suas ovelhas aparece morta, o que pode ser muito bem obra das raposas que habitam a floresta próxima à sua fazenda. Ou de algo pior. Um menino perdido, um homem estranho, rumores sobre uma fera e fantasmas do seu próprio passado atormentam a vida de uma mulher que sonha com a redenção.
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