“O poeta é um fingidor. Finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente.” A auto-análise de Fernando Pessoa serve como epígrafe para Adriana Sydor, toda prosa, livro de crônicas de Adriana Sydor, que enamora-se da poesia e a esparrama pelas páginas de sua obra tal qual namorada fecunda de amor. Seria ela uma fingidora da dor que deveras sente?
Adriana não é de meios tons, das nuances, do quase lá. Adriana é intensidade, é o amarelo vivo na capa, o pulsar da palavra por todos os poros, da menor pétala de dente de leão às indissolúveis memórias da infância. Adriana Sydor, toda prosa – assim mesmo, com o nome da autora no título, coisa de quem não foge à responsabilidade sobre as conquistas ou os estragos de suas palavras – traz crônicas confessionais que exploram o cotidiano, exploradas primeiramente no blog Mil compassos.
“tenho a impressão de que tudo que escorre para o papel é uma espécie de resquício de mim, um resto, vestígio de alguma dor ou alegria que finjo. mas, definitivamente, só penso aquilo que sinto.” Tal qual Pessoa, Adriana segue fingindo ser ela mesma, sem esconder-se por detrás de dores alheias, incômodos alheios, suspiros alheios… afinal, não é o nome dela que carrega o título? Mais do que resquícios, vestígios, restos, é uma Adriana por inteiro que temos nas páginas, sem medo ou vergonha de expor-se, sem voltar atrás.
Assim como ousa na matéria, em toda prosa Adriana também ousa na forma. E com tanta precisão que quase esquecemos tratar-se de ousadia. As crônicas curtas que compõem o livro forjam uma literatura própria, onde regras e convenções são deliciosamente soterradas pelo vigor de um texto pungente e maduro. Não há letras maiúsculas, nem no início das frases, nem após os pontos – como pôde-se perceber na citação do parágrafo anterior. O que há é um sentimento maiúsculo que não se envergonha de contar suas histórias – reais, forjadas, fingidas? – e carregar sua autora pela mão. Sim, em tantos momentos é isso o que sentimos: um texto que se aventura independente e toma emprestada a pena de Adriana para tomar forma na sua prosa.
“quem é que pode se separar da própria vida? ninguém! a nebulosa que a distância cria dos fatos não os apaga.” Reparos na casa ou questões existencialistas: não há algo mais ou menos importante para a autora. Afinal, como menosprezar o cotidiano que tanto nos assoma e que, por tantas vezes, é o que nos compõe? Em toda prosa Adriana alinhava assuntos e temas tão díspares que nos surpreendemos de nunca terem sido pensados conjuntamente. Títulos como “sexy Iemanjá” e “relógio e agenda: incompatibilidade de gênios” demostram com exatidão a capacidade de ela navegar tanto por mares revoltosos quanto por calmarias.
Quando há a transposição de textos publicados em ambiente digital para o formato livro é comum que tais textos passem a assumir um caráter de perenidade, constância, completude. Não é o que acontece em toda prosa. Adriana mantém, de forma perspicaz, o tom de trabalho em desenvolvimento. Sua obra é como a própria vida, sempre em movimento. Ao lermos suas crônicas temos a sensação de estarmos acompanhando o momento exato em que nasceram e, quem sabe, da próxima vez que abrirmos na mesma página já estejam diferentes. Esse sentimento de mutação constante perpassa todo o livro e cria um fluxo que mimetiza o próprio fluxo da humanidade.
Contribuindo para essa percepção de movimento constante no texto, o livro traz alguns manuscritos da autora com poesias e anotações para escritas futuras. São momentos da criação que nos revelam um pouco mais da autora, dessa sua literatura ao mesmo tempo leve mas que carrega o peso da existência de um mundo inteiro em suas palavras. Uma literatura que merecer orgulhar-se de ser toda prosa.
Adriana Sydor, toda prosa
Adriana Sydor
Crônicas
Travessa dos Editores
239 pages
ESCREVA HISTÓRIAS INESQUECÍVEIS
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