Sabe aqueles biscoitos de gengibre em formato de boneco, típicos do Natal do hemisfério norte e que, nos últimos anos, começaram a povoar também as nossas mesas? Seu nome é Boneco de Gengibre (Gingerbread Man, em inglês) e não é apenas uma guloseima natalina que teve origem nas receitas medievais europeias do pão de gengibre, mas uma lenda que vem sendo contada e recontada desde 1875, data da sua primeira publicação nos Estados Unidos. E se esse Boneco de Gengibre fosse recriado como um personagem bem brasileiro e viesse aprontar suas aventuras aqui pelas nossas terras? É a partir dessa ideia que Henrique Vale faz uma releitura do clássico norte-americano no seu livro Vamos apostar corrida?, lançamento da Editora Bambolê com ilustrações de Vanessa Prezoto.
Na lenda original, o Boneco de Gengibre é um biscoito que ganhou vida ao sair do forno, iniciando uma corrida por vários lugares para evitar ser comido. Henrique usa esse mote inicial para criar uma história com tempero bem brasileiro. O boneco, aqui, não é de gengibre, mas feito de um doce típico: o pé de moleque. Um pé de moleque feito no formato de um menino que divide as páginas com Saci-Pererê, um personagem do nosso folclore cuja peraltice vai ser um ponto chave nessa versão. No início, a narrativa parece nos levar por um terreno conhecido mas, aos poucos, vamos acompanhando a construção de uma trama que mescla elementos da história original com outros que destacam o tom autoral que Henrique conseguiu dar à sua obra.
A esperteza do menino de pé de moleque encontra pela frente um personagem tão esperto quanto ele. A história coloca lado a lado dois personagens fortes que, se mal utilizados, poderiam comprometer a narrativa. No entanto, o autor cria um elemento novo que não estava presente na lenda de origem e desenvolve uma relação de complementaridade na trama de forma suave e criativa. “Mas o travesso Saci não resistiu à tentação de pregar uma peça: do gorro vermelho, tirou o pó serelepe, e jogou sobre o doce em forma de menino.”
Ao narrar a corrida do menino de pé de moleque para salvar a própria vida, a história explora bem o ritmo e a repetição num crescendo e que prepara o leitor para o clímax. E faz isso inserindo referências que surpreendem e enriquecem a leitura, como o encontro do Molequinho Doce, como passa a ser chamado, com o Pequeno Polegar. Além disso, há a inserção de animais encontrados na nossa fauna, uma adaptação muito bem vinda. Mas a grande surpresa está reservada para o final. Henrique trabalha muito bem um plot twist para o conto clássico em que o leitor é supreendido pela esperteza do nosso boneco de gengibre brasileiro.
A história do Molequinho Doce é contada também pelas ilustrações dinâmicas de Vanessa Prezoto. As imagens parecem caminhar pelas páginas, fazendo com que acompanhemos o ritmo implícito no seu traço e suas cores. A ilustradora trabalha muito bem alternando ângulos mais amplos e outros que emprestam uma sensação de zoom ao nosso olhar.
Vamos apostar corrida? é um belo exemplo de como pode-se, sim, fazer releituras de clássicos trazendo novos elementos e criando um referencial próprio. Esse Molequinho Doce não fica nada a dever ao Boneco de Gengibre original e ainda colore as nossas lendas com um novo e cativante personagem.
Vamos apostar corrida?
Henrique Vale
Ilustrações de Vanessa Prezoto
Editora Bambolê, 2016
32 páginas
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