Nara Vidal disseminando a literatura brasileira

Nara Vidal não é apenas uma escritora brasileira que mora fora do país. Natural de Guarani, Minas Gerais, e vivendo desde 2001 na Inglaterra a autora, além de ocupar-se com seus próprios livros infantojuvenis e adultos, ainda encontra tempo para espalhar a literatura brasileira pelo mundo. Foi assim com o Canalzinho, projeto que aconteceu em 2016 e levou escritores do nosso país para conversar com crianças e jovens de Londres e Paris. E é assim que, nesse momento, Nara encontra-se envolvida com o lançamento de Capitolina, uma livraria online com sede na Inglaterra cujo objetivo é vender exclusivamente ficção brasileira contemporânea. A livraria começa a funcionar em setembro e, em meio a toda essa preparação, a escritora reservou um tempo para conversar com o Conexão Autor sobre criação literária, leitura e dicas para novos autores.

 

Com a palavra, Nara Vidal…

 

Você fez Faculdade de Letras. Naquele tempo sua intenção já era ser escritora ou foi algo que surgiu mais tarde? Você acha que é fundamental para quem quer ser escritor ter essa formação?

Nara Vidal: Não acho que seja fundamental não, de forma alguma. O desejo de se tornar escritor tem a ver com a tentativa. Qualquer um pode tentar ser o que quiser. Alguns conseguem e outros conseguem outras coisas. O meu desejo tão grande de ser bailarina não fez com que eu virasse uma dançarina, mas frequentar balés e ver de perto a dança me fez desistir dela e entender que apreciar essa arte já é um privilégio. O desejo de escrever deve estar ligado ao prazer de ler. Eu, por exemplo, quanto mais leio, menos acho que levo jeito pra escrever.

Na Faculdade de Letras não queria ser escritora, mesmo que eu tenha tentado escrever alguns poemas lamentáveis. A minha praia era línguas. Queria ser professora de inglês e fui. Dou aulas de português para estrangeiros vez ou outra. A paixão pela literatura veio depois quando estudei Shakespeare. Antes eu só gostava. Depois eu me apaixonei. Game over!

De onde vêm suas histórias e seus personagens? O fato de ser mãe é fundamental para escrever para crianças ou mesmo quem não tem filhos é capaz de imergir nesse universo?

Nara Vidal: É uma pergunta difícil porque eu só cogitei escrever para crianças depois de ter meus filhos. Não acho que eu teria me aventurado nesse campo de literatura para crianças se não fosse por eles. Os meus filhos são uma fonte de ideias, sim. Muita coisa escrevo com eles em mente, mas acho que o que eu faço vem mesmo da observação. Gosto de observar gente.

Como é o seu processo de criação literária desde que a ideia surge na sua cabeça até ela virar história?

Nara Vidal: É muito aleatório. Tem vezes que falo sozinha, especialmente quando estou dirigindo ou caminhando em lugares vazios. Sou bastante distraída nesse departamento de criação, e mesmo que eu saiba que é preciso carregar uma caneta que seja pra onde ando, eu sempre me esqueço da caneta. Acontece de ideias surgirem do nada ou de alguma coisa que eu tenha visto, ouvido, sentido. Coloco algumas frases ou palavras soltas no papel e depois vou formando um texto. É raro ele sair fluente e corrente sem tropeçar. Nem quando escrevo alguma matéria eu consigo ser linear na primeira tentativa. Tentar escrever dá muito trabalho.

Você é o tipo de escritora que tem um rotina, escreve de forma planejada, ou sua criação vem de um processo que tende mais para o intuitivo?

Nara Vidal: Acho que é mais intuitivo. Ainda assim, não deixo de escrever um dia. Mesmo que seja uma frase. Se estou fora de casa e sei que não vou ter acesso ao computador, escrevo mesmo que sejam frases soltas. Não tenho horário definido porque mesmo quando as crianças chegam da escola, se eu tiver no meio de um trabalho, um livro, eu sigo escrevendo enquanto eles se ocupam de brincar. Escrevo bastante à noite também.

Você diria que é possível encontrar vestígios da leitura de outros autores na sua escrita literária? Há autores que foram importantes para a sua formação como escritora?

Nara Vidal: Não sei se vestígios… Quem me dera encontrar vestígios de Virginia Woolf na minha escrita. Mas gosto do fluxo de consciência na narrativa dela. Gosto muito de Sylvia Plath, Rubem Fonseca, Ferrante, Penelope Fitzgerald, Joyce, Clarice, Machado, a lista não acaba e há mil não citados. Há muita qualidade também na literatura que vem sido produzida neste momento no Brasil. Há talentos incríveis espalhados no país. Acho que quando apreciamos alguns autores, sentimos vontade de qualidade, portanto alguma influência talvez seja possível e aconteça até sem a gente saber.

 

Livros infantojuvenis de Nara Vidal
Livros infantojuvenis de Nara Vidal

 

Você nasceu em Guarani, cidade de Minhas Gerais, e mora na Inglaterra há mais de dez anos. O que há de Guarani e o que há da Inglaterra na sua literatura?

Nara Vidal: Há sempre o meio do caminho. Quando eu fizer cinquenta anos, vou ter vivido o mesmo tempo de vida no Brasil e na Inglaterra. É estranho pensar nisso, mas há um sentimento antagônico que é a ideia de pertencer a dois lugares e a nenhum ao mesmo tempo. Você está sempre de fora, há sempre coisas que lhe escapam. Por outro lado, você sempre compreende as nuances culturais exatamente porque está tanto lá quanto cá. Acho que há características disso na minha escrita. Eu produzo num ambiente de bastante ordem e calma. É muito silencioso aqui. Mas talvez por isso eu goste de grandes dramas, caos como temas, não sei.

Você tem livros para o público adulto, para o público juvenil e para o público infantil. Quais são os desafios de escrever para esses diferentes públicos? Fale um pouco sobre seus livros.

Nara Vidal: Engraçado que eu nunca penso sobre o leitor antes de escrever. Às vezes sai uma linguagem que vira adulta e às vezes um infantil começa a tomar forma. Os temas são universais e acredito que mesmo temas difíceis devam ser contados para as crianças. Mas escrever é um negócio difícil demais! Seja para o leitor adulto, seja para a criança.

Você tem um livro infantil chamado Pindorama de Sucupira, uma visão crítica da chegada dos portugueses nas nossas terras. Como é fazer literatura brasileira morando fora do Brasil? Ou você acredita que os traços são mais universais do que locais?

Nara Vidal: O Pindorama de Sucupira é um exemplo de processo criativo a partir dos meus filhos. Eu falava um pouco sobre a História do Brasil, aquele início que a gente conhece de escola e fiquei pensando que eu não achava certo contar pra eles que Pedro àlvares Cabral descobriu o país porque aquilo não me parecia ser o caso. Precisava dar a eles uma oportunidade crítica, de questionamento e colocações. É impressionante que ainda, em escolas do Brasil, as crianças respondem na ponta da língua que os portugueses descobriram o país. Uma pensamento crítico e virar o mapa de ponta cabeça são atitudes muito urgentes na Educação. Se não for assim, vamos repetir o que nos foi passado desde sempre, correndo o risco de achar que a cultura indígena é menor e outras bobagens dessa natureza. Isso é um perigo e é urgente que as escolas revejam esses conceitos.

Você é a criadora do Canalzinho, um projeto que aconteceu em 2016 com o objetivo de difundir a literatura de língua portuguesa para crianças e jovens de Londres e Paris. Por que criar um projeto como esse e qual foi o resultado obtido? Vem mais Canalzinho por aí?

Nara Vidal: O Canalzinho foi uma inciciativa bacana para divulgar e promover o ensino do português em países estrangeiros. Disponibilizamos encontros e eventos para as comunidades que falam o português em Londres e Paris e foi incrível. Contamos com autores fantásticos que bancaram suas próprias vindas e investiram na ideia. Claro, o ideal é que eles sejam pagos, mas ainda não é assim e enquanto estivermos na tentativa de produzir e divulgar literatura é necessário andar e sair do lugar comum através de projetos e iniciativas criativas e atraentes. Ano que vem tem mais Canalzinho, na Alemanha.

 

Livro de contos de Nara Vidal
Livro de contos de Nara Vidal

 

Quais são os desafios de se fazer literatura hoje dado o enorme atrativo das mídias audiovisuais e das novas tecnologias? Especialmente fazer literatura em língua portuguesa para o público brasileiro, que historicamente não é um público de alto consumo literário.

Nara Vidal: Eu acredito profundamente no poder do livro objeto. Acredito tanto que planejo em setembro abrir uma livraria online bastante específica. A Capitolina Books (uma referência a Capitu) só disponibilizará para venda literatura brasileira contemporânea. Eu até que gosto de um desafio. Não é sempre, mas acontece. Rs

Acredito que haja espaço para todas as plataformas de leitura. Na minha opinião não funciona muito proibir crianças de usar eletrônicos, ebooks. De repente um equilíbrio e o hábito de ler que é copiado, deve ser vir de casa e menos da escola. Há um tempo, minha filha estava resistente para ler. Eu comecei a ler junto com ela. Ela lia o livro dela e eu o meu, uma ao lado da outra, algo bastante íntimo e ela se sentiu muito importante por praticar a mesma atividade que eu. É uma questão de equilíbrio. Há espaço pra tudo que possa enriquecer a experiência, eu acho. Portanto, eu vejo a resistência à leitura mais como um problema de família do que um problema de país. Se aqui na Inglaterra as crianças que têm o hábito de ouvir uma, duas histórias antes de dormir todas as noites, começarem a não ter mais tempo pra isso, se os pais pararem de ler na frente dos filhos, se a leitura for sempre interrompida como se fosse menos importante, as crianças daqui também deixariam de ser leitoras. Mas há uma tradição que vai passando adiante esse hábito. É importante que esse costume seja iniciado em casa através dos pais.

Quais são seus próximos projetos, algum livro em vista?

Nara Vidal: Tenho uns quatro originais infantis, mas houve um período de baixíssima produção no mercado editorial depois que os programas de governo congelaram e nada saiu. Agora, com esses materiais, gostaria de apresentá-los à editoras. Preciso correr atrás!

Que dicas você daria para quem tem uma ideia na cabeça e quer começar a escrever?

Nara Vidal: Vale tentar fazer um resumo para não perder a ideia de vista. Quando achar que o livro está pronto, é uma boa ideia enviar o material para pareceristas, que são pessoas que trabalham para opinar sobre a qualidade ou não do texto.

Se ganhar dinheiro for o objetivo, desista agora! Ainda há tempo.

 

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Sobre o Autor

Ronize Aline
Ronize Aline

Ronize Aline é escritora e consultora literária. Já foi crítica literária do jornal O Globo, do Rio de Janeiro, e trabalhou como preparadora de originais para várias editoras nacionais. Atualmente orienta escritores a desenvolverem suas habilidades criativas e criarem histórias com potencial de publicação.

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