JOËL DICKER | O desaparecimento de Stephanie Mailer

O autor suíço Joël Dicker vem lançando um best-seller atrás do outro, tendo sido vencedor do Grande Prêmio de Romance da Academia Francesa com o livro A verdade sobre o caso Harry Quebert. Este O desaparecimento de Stephanie Mailer foi o primeiro livro dele que li e a impressão não poderia ter sido melhor. Um verdadeiro page-turner, como se chama em inglês os livros dos quais não conseguimos desgrudar até terminar a leitura.

Quem é Stephanie Mailer?

Stephanie Mailer, que dá título à obra, é uma jornalista que resolve investigar um crime do passado e, supostamente, resolvido. Ela confronta as autoridades e diz que houve um erro na investigação da morte de quatro pessoas há vinte anos, exatamente no dia da estreia do primeiro festival de teatro de Orphea, uma das luxuosas vilas dos Hamptons, no estado de Nova Iorque.

Parece que Stephanie começou a mexer onde não devia, pois a jornalista desaparece sem deixar vestígios. É aí que tem início a história construída de forma primorosa pelo autor. Há uma conjunção de linhas narrativas que se desenrolam paralelamente, presente e passado desfilando de forma síncrona nas páginas do livro. Temos a investigação do desaparecimento de Stephanie e temos a investigação das mortes acontecidas há vinte anos, reaberta por conta das suspeitas levantadas pela jornalista antes de desaparecer.

O domínio narrativo de Joël Dicker

O que salta aos olhos imediatamente na leitura de O desaparecimento de Stephanie Mailer é o domínio que Joël Dicker tem dos elementos narrativos que compõem uma história. O texto em si é enxuto: se não chama a atenção para si muito menos atrapalha o desenvolvimento do enredo. Pelo contrário. A trama tem tantos detalhes e pontos de virada que o texto sem grandes arroubos permite que o leitor mergulhe fundo no desenrolar da narrativa sem distrair-se admirando as construções textuais.

Os capítulos alternam-se entre passado e presente, fazendo com que o leitor tome conhecimento dos fatos passados à medida que eles interferem ou são necessários para compor o cenário presente. Da mesma forma, fatos que fazem parte da backstory (história passada) dos personagens só são apresentados ao leitor quando fazem a história evoluir – evitando, assim, uma narração desnecessária de fatos do passado que poderiam deixar a história mais lenta. Outro momento em que o autor demonstra seu domínio narrativo é quando trabalha a backstory dentro da backstory. E faz isso de forma primorosa, sem que o leitor se perca em tantas camadas temporais.

A narrativa de O desaparecimento de Stephanie Mailer é construída muito em cima de diálogos, o que imprime um ritmo agradável e permite que conheçamos melhor os personagens a partir de si próprios, e não do que o narrador diz sobre eles. Assim como as grandes revelações acabam saindo da boca dos personagens, e não do narrador.

Uma técnica narrativa muito bem utilizada por Joël Dicker é a do set up/pay off (em inglês, algo como plantar primeiro, colher depois). O autor vai plantando informações que, à primeira vista, podem parecer sem muita importância mas que, mais para frente, causam aquele “ahhh” de contentamento quando o leitor percebe a relação entre os fatos.

Outra forma usada ao longo de todo o livro para manter o leitor preso à narrativa são os ganchos ao final dos capítulos. Joël Dicker utiliza esse recurso em grande parte do livro, criando uma sensação de “preciso ler o próximo capítulo para descobrir o que acontecerá a seguir”. Junto a isso, ele promove uma verdadeira dança das cadeiras com os suspeitos, que vão se revezando: alguns deixando de figurar na lista por algum tempo mas voltando mais adiante. É como se o autor estivesse à espreita só esperando para ver se o leitor está mesmo atento.

Não apenas o plot principal de O desaparecimento de Stephanie Mailer é muito bem construído, mas também os subplots que compõem essa obra de fôlego: 576 páginas das quais não conseguimos desgrudar. Apenas uma coisa me incomodou um pouco na leitura: apesar de Joël Dicker trabalhar muito bem os narradores em primeira pessoa, há situações em que ele muda de narrador em primeira pessoa, com o ponto de vista intimista, para o narrador em terceira pessoa, mais distante, dentro de um mesmo capítulo. Isso acontece porque há situações em que ele muda o cenário dentro do capítulo e o narrador que estava em primeira pessoa até então não está no cenário seguinte, o que o impede de continuar a narração. Isso não é algo que chegará a incomodar muita gente, nem mesmo estraga a experiência de leitura. Mas como em criação literária recomenda-se que a troca de narradores não aconteça dentro de um mesmo capítulo, pois pode tumultuar um pouco a experiência do leitor, esse é o único ponto sobre o qual eu teria alguma ressalva.

Resultado final: minha primeira experiência com Joël Dicker foi muito interessante e instigou minha curiosidade para ler outros livros dele.

O desaparecimento de Stephanie Mailer

Autor: Joël Dicker

Páginas: 576

Editora: Intrínseca

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Sobre o Autor

Ronize Aline
Ronize Aline

Ronize Aline é escritora e consultora literária. Já foi crítica literária do jornal O Globo, do Rio de Janeiro, e trabalhou como preparadora de originais para várias editoras nacionais. Atualmente orienta escritores a desenvolverem suas habilidades criativas e criarem histórias com potencial de publicação.

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