3 elementos da narrativa presentes em LUCA

Escrever uma história não é apenas ir jogando palavras no papel. A criação literária é composta de elementos da narrativa que fazem com que o leitor se sinta conectado à história e queira continuar a leitura. Isso vale tanto para literatura quanto para o audiovisual. Neste artigo vou mostrar três elementos da narrativa muito bem utilizados em LUCA, a adorável animação da Pixar ambientada na Riviera Italiana.

Uma narrativa cativante

LUCA é uma história que aborda a passagem da infância para a idade adulta do protagonista que dá nome ao filme. Luca e seu melhor amigo, Alberto, conhecem Giulia, uma garota determinada que mora na fictícia Portorosso, na região italiana (verdadeira) de Cinque Terre. O problema é que tanto Luca quanto Alberto não são garotos normais: são monstros marinhos. Então, além de todos os desafios da adolescência, os dois garotos também terão que enfrentar o medo de serem descobertos e mortos.

Em meio a lindas paisagens e a uma rica demonstração das tradições italianas, LUCA tem um enredo muito bem construído com elementos da narrativa trabalhados minuciosamente para destacar ainda mais os pontos fortes do filme. Pontuado por expressões e maneirismos típicos da região, o filme é uma verdadeira viagem lúdica e literária e uma ode à amizade.

Vamos aos elementos da narrativa

Histórias que se tornam memoráveis são construídas com uma dedicação especial aos detalhes. O leitor e o espectador adoram identificar pistas que vão, pouco a pouco, costurando a malha narrativa da trama. Vamos ver, então, 3 elementos da narrativa ficcional — seja literatura ou cinema — que são muito bem utilizados em LUCA.

1. Set up/pay off

Esse elemento da narrativa consiste em plantar, configurar algo na história que será usado mais adiante para algum propósito narrativo. O fundamento dessa técnica é conhecido como a “arma de Tchekhov”. A arma de Tchekhov é um princípio dramático que afirma que se uma arma for vista no primeiro ato, ela deve ser usada no último ato da história. O inverso também é verdadeiro, uma arma disparada no último ato deve ser estabelecida mais cedo. Embora o exemplo titular se aplique a uma arma, o princípio da arma de Tchekhov pode ser aplicado a qualquer ingrediente de uma história. Em termos gerais, a teoria da arma de Tchekhov postula que cada elemento em um texto deve contribuir diretamente para o todo. Quer você os perceba ou não, as melhores histórias fazem uso frequente de configurações e recompensas.

As melhores configurações não parecem configurações no momento, mas sempre em retrospecto. Se a configuração for muito óbvia, o público pode acabar um passo à frente da história, o que nunca é bom. Ao mesmo tempo em que configuramos algo, ou seja, inserimos o elemento narrativo na cena, também chamamos a atenção do leitor para outra coisa. No momento em que o elemento é mostrado, acontece uma explosão, alguém chama o protagonista com uma informação importante, algo surpreendendo acontece que tira a atenção tanto do protagonista quanto do autor daquele elemento.

Em LUCA, existe uma cena que, quando é plantada, é mais um elemento cômico: a família do garoto está conversando sobre um concurso de siris e que sempre é vencido por outra família. A mãe de Luca faz uma imitação exagerada e estridente de golfinho, marca registrada da mãe da outra família, e que os ajuda a sempre conseguir a vitória.

Mais adiante na trama, quando Luca e Alberto estão na vila dos humanos sem que os pais de Luca saibam, o protagonista ouve aquele mesmo som estridente e entende que seus pais já chegaram à vila. Nós compreendemos o que aquele som significa pois a cena da mãe de Luca fazendo a imitação já foi plantada anteriormente.

2. Backstory

Outro elemento da narrativa presente em LUCA é o backstory. Backstory é a história do personagem anterior à trama que está sendo contada. É o passado que, de alguma forma, interfere na narrativa presente. O problema é que muitos escritores não resistem à tentação de começar o livro com uma enxurrada de backstory, afogando o leitor em fatos passados enquanto o que ele está querendo ler é sobre a história presente.

Um backstory bem posicionado é aquele que aparece no livro apenas no momento em que servirá para impulsionar a história, quando tiver uma função na trama. O ideal é não começar o livro com backstory, mas deixá-lo para mais adiante, quando servirá para esclarecer algo do momento atual.

Em LUCA, há um mistério sobre o pai de Alberto, que não é revelado nem para Luca nem para nós. Mais adiante, quando ser torna necessário para o andamento da história, ficamos sabendo que mistério é esse. A cena é muito bem construída, pois o mistério não é revelado do nada. Luca descobre algo na torre onde Alberto mora e o questiona, levando o amigo a revelar seu segredo.

3. Regra de Três

A regra de três é um elemento da narrativa baseado na ideia de que os humanos processam informações por meio do reconhecimento de padrões. Sendo três o menor número que nos permite reconhecer um padrão em um conjunto e nos ajudar a criar momentos memoráveis. A regra de três também é incrivelmente útil como ferramenta estrutural: os comediantes usam a regra de três para criar piadas em três partes (preparar, criar antecipação, piada final) e os roteiros geralmente seguem uma estrutura de três atos.

Alguns exemplos clássicos da regra de três são:

Os Três Porquinhos: O primeiro porquinho conta a história construindo sua casa de palha, que o lobo derruba com um sopro. O mesmo acontece com a segunda casa de porquinhos, criando uma sensação de antecipação. O terceiro porco quebra o padrão ao construir sua casa de tijolos, empurrando a resolução da fábula.

Harry Potter: Harry, o protagonista, tem a companhia constante de dois amigos (Rony e Hermione) ao longo de toda a saga para enfrentar o conflito principal, bem como os obstáculos intermediários, da trama. O trio são os principais personagens de todos os livros da saga.

Em LUCA, a regra de três é identificada, primeiramente, no trio principal: o protagonista Luca e seus amigos Alberto e Giulia. Além disso, os três farão parte de um triatlo italiano famoso na cidade, que compreende três provas: natação, comer massa e ciclismo.

Se quiser saber mais sobre Regra de Três como elemento da narrativa, veja o post abaixo.

Regra de Três
https://www.ronizealine.com/2017/06/05/regra-de-tres-usar-recurso-em-narrativas/

Se você ainda não viu LUCA, além de uma animação encantadora é também uma boa oportunidade de observar esses elementos da narrativa sendo usados em uma obra audiovisual. Que tal incluir algum deles na sua próxima história?

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Sobre o Autor

Ronize Aline
Ronize Aline

Ronize Aline é escritora e consultora literária. Já foi crítica literária do jornal O Globo, do Rio de Janeiro, e trabalhou como preparadora de originais para várias editoras nacionais. Atualmente orienta escritores a desenvolverem suas habilidades criativas e criarem histórias com potencial de publicação.

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